sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Meu Processo de Desconstrução e Reconstrução na Dança Oriental - Meus Caminhos em Busca do Estilo Pessoal


Yasmine Amar - dezembro de 2012
         
          Hoje venho compartilhar com vocês um pouco do meu processo em busca de uma identidade na Dança Oriental, um estilo oriental e musical. A intenção não é propagar verdades absolutas nem regras uma vez que já tem muita gente fazendo isso por aí com muito mais propriedade. A idéia é levar até você que está lendo agora, um pouco dos estudos que me impulsionaram na Dança, especialmente nos últimos anos, me trazendo um bem estar imenso e realização como dançarina e professora.
          A Dança Oriental ,  é um patrimônio da Humanidade - só falta ser tombado pela UNESCO, como foi o Flamenco. Ela é uma Arte completa que cativa milhares de pessoas por todo mundo, cada dia mais e mais culturas se curvam diante a beleza desta Arte. Dada a essa dimensão é muito difícil padronizar uma forma só de dançar. Há várias maneiras belas de se expressar através dessa Cultura. Umas mais outras menos orientais.
          Comecei a dançar já em idade adulta, aos 21 anos. Foi na maturidade pessoal e artística que surgiu a crise com a Dança, mais exatamente em 2007, aos 35 anos. Eu estava com 14 anos de Dança, tinha realizado um bocado de coisa, conquistado muita coisa que as pessoas vivem buscando, inclusive selos, padrões, um respeito considerável na minha região, em outros estados e alunas fiéis e dedicadas. Mas eu não estava satisfeita. Alguma coisa me incomodava  na Dança Oriental. Uma delas era o fato de, a cada ano, surgir um novo modismo que derrubava todos os outros. Comecei a questionar os porquês dessas mudanças bruscas.  Começava a questionar os porquês das tendências e modismos e a ficar cada dia mais insatisfeita com minha dança e com os rumos que estava dando a ela. Cheguei a fechar meu Espaço Cultural e tentei dar um tempo. Bom, fechar o Espaço foi fácil, muito fácil. Dar um tempo foi mais difícil do que eu imaginava porque um espaço físico é apenas um espaço mas a Dança envolve algo muito maior que tudo isso: pessoas. E foram as pessoas que não me deixaram parar. Elas me ligavam, escreviam, elas se manifestavam diariamente e expressavam a importância da Dança na vida de cada uma delas, a minha importância com Educadora dentro desse processo. E la estava eu, ciganeando em meio a conflitos artísticos.  Até que um dia um DVD caiu em minhas mãos.  Quando assisti aquele DVD, foi como se reacendesse toda a paixão pela Dança que existia em meu ser, pela Dança Oriental que eu havia conhecido através das grandes mestras, as maiores que já existiram: Soheir Zaki, Nagwa Fouad, Samya Gamal, Taheya Karioka, Naima Akef, Nádia Gamal. Esse DVD chama "Tempos" e foi produzido pela bailarina Michelli Nahid, casada com um músico, Maurício Mozayek, com quem eu tive a alegria de fazer aulas posteriormente. E você também deve estar se perguntando, mas afinal de contas, porquê essa insatisfação com o toque ocidental que a Dança vem ganhando?

A resposta eu fui descobrir com estudo. O porquê essa dança mais moderna e com tantas influências artísticas modernas não me satisfazer acredito que tenha haver com minha busca, o que é pessoal, uma questão de identificação. veja bem, não é uma crítica à roupagem Moderna da Dança Oriental, é apenas minha busca pessoal.

E o que esse DVD tem de tão especial? Que força é essa que me fez saber que eu tinha um caminho a percorrer ao encontro dessa Dança que meu Eu ansiava?
A diferença na dança dessa bailarina é basicamente a predominância dos movimentos orientais e, acima de tudo, a Musicalidade.  Parece simples né? Quem pensa que foi fácil assim, como estalar de dedos se engana.  Não foi tão simples. Não se é tão simples quendo se tem 14 anos de estudo, você esvaziar para preencher novamente, desconstruir para reconstruir.

É um ato de desapego. Abandonar aquela ânsia por quantidade e mudanças - tão típicos do mundo ocidental - e permitir-se viajar pela delicadeza de uma flauta com movimentos de mãos. Na verdade, ainda me considero em total processo, e ávida por conhecimentos nesse âmbito. Me sinto exatamente quando comecei a dançar, só que desse vez com um rumo, uma direção e encontro a uma Dança que venha satisfazer a pessoa principal nesse processo: eu mesma. Sim, já havia conquistado platéias, alunas, mas eu não estava feliz. O primeiro passo havia sido dado. Eu já sabia o que queria para minha Dança. Já sabia o estilo de coreografia, estilo de música, estilo de movimentos e estilo de Leitura Musical eu almejava alcançar.  Era só o primeiro passo de uma jornada.

Desaprender alguns modismos que havia assimilado sem saber o porquê, apenas porque fazia alguns cursos e ouvia dizer "é o que se usa", "no Cairo agora a moda é essa", "nos EUA a onda é essa" e por aí vai.  Esvaziar a alma, a mente, abrir os ouvidos e o coração para ouvir a música verdadeiramente e transpirá-la em meus movimentos. Eu estava pronta. A partir do momento eu que eu havia me apaixonada novamente pela Dança Oriental, que eu havia tomado a decisão de encarar essa busca, sabia que era questão de tempo para encontrar os métodos e as respostas. Não estou entrando no âmbito de apontar minhas escolhas como corretas e os modismos citados como incorretos. Na verdade não existe certo e errado nos domínios da Arte. Apenas encontrei a minha verdade, o que me preenche como estudiosa, como bailarina e como artista num sentido bem amplo da palavra.

Comecei meus estudos. Primeiro passo, foi selecionar os vídeos que não queria mais utilizar como referência e os vídeos que eu necessitava assistir e estudar.  Tendo feito isso, comecei a selecionar as músicas e os arranjos que permitiam colocar em cena esse conteúdo todo.  Sim, mesmo peças bem tradicionais quando em arranjos pobres perdem a possibilidade de uma leitura musical apurada, que é o que eu buscava agora. Em seguida, os movimentos que permitiam executar a música e daí entrou minha ânsia pelo Oriental, sem desmerecer as fusões, mas elas não me saciavam a sede de oitos, camelos, shimmies e cia.  O corpo precisava ser trabalhado pois essa Dança Oriental mais antiga, exige uma elasticidade de movimentos muito maior, uma vez que há uma repetição dos mesmos e precisam estar de acordo com o som e bem amplos no corpo para poder executar a música fidedignamente. 

Afinal, quanto mais aguçamos a percepção musical, mais necessitamos do corpo para traduzir minunciosamente essa riqueza que reside na música árabe.

Do momento em que decidi revisar meus estudos de musicalidade, assistir aos vídeos até o dia em que eu tive a oportunidade de fazer o curso de musicalidade com a Michelli, muita coisa foi construída. Mas não bastava construir. Era preciso colocar abaixo toda uma base. Desapegar de uma dança que eu aprendi com pessoas muito queridas - eis a dificuldade. O desapego. Eu havia feito a escolha. Além de ser minoria, a grande maioria se inspira nas estrelas do Cairo atuais, nas russas, americanas, argentinas e etc Além disso, eu tinha que deixar ir embora muitas referências nas quais existem muita afetividade.  Não foi somente a forma de ouvir a música que mudou, mas as linhas corporais, a forma de executar os movimentos e as posturas cosporais assumidas nas leituras , especialmente dos taksins.
Como desconstruir?
Como desapegar-se?
Posso dizer que é um exercício muito mais interior. Mas passa também pelo corpo. É preciso despir-se de um estilo completamente para absorver o outro sem vícios.
É longo o processo, eu iniciei em 2006/2007 e agora que estou numa fase onde meus vídeos começam a me agradar.
 
A experimentação musical iniciou-se por Mohammed Abdel Wahab, passou a Abdel Halim Hafez, Farid El Atrash e atualmente, estou descobrindo o compositor egípcio Baligh Hamdi.
 
A medida que aprofundo o estudo dos movimentos e das músicas, vislumbro um Universo maior a ser desvendado. Na verdade, esse processo de reconstrução é muito mais prazeroso e fácil do que o de desconstrução. Quando você inicia um estudo musical da Dança,  entregar-se a nobre Arte de mostrar ao público a Música, é algo que te afasta completamente do ego. Não há espaço para o ego no momento da Dança. A necessidade de sentir a música e colocar-se como um instrumento que vai mostrar ao público a beleza e riqueza da Música Oriental, preenchem toda sua alma e toda sua mente no momento da Dança. É um processo de autoconhecimento contínuo. Quando estou em cena preocupada com a obra musical, me esqueço completamente quem sou. Apenas ouço e danço! E isso é facinante! 
Atualmente, estou adentrando a fase de ensinar o que aprendi, esse encantamento pela música Oriental, com toda sua complexidade. Torná-la mais próxima dos nossos ouvidos ocidentais.  Também estou me dedicando a  criar coreografias para grupos com essa riqueza de detalhes em leitura musical.
É um processo lento. É muito mais rápido "formar" uma dançarina lendo superficialmente a música e focada em passos de efeito e sequências da moda do que formar uma estudiosa da Música Árabe. Demanda tempo, estudo, demanda entrega.
Mas é gratificante!
Nesse processo todo, a gratidão preenche minha alma.
Gratidão aos compositores por criarem peças tão divinas, aos músicos por executarem essas peças com tanto amor, à dançarinas da Era Dourada do Egito, a todas as dançarinas que possuem  respeito a musicalidade e compartilham essa sabedoria.
O que me espera nesse processo? Tudo!
Começo agora a sentir liberdade para criar me envolvendo cada dia mais e mais, e apaixonadamente pelo que sempre me motivou a Dançar: a Música. Sem medo de errar porque todo conteúdo de movimentos da Dança Oriental já está internalizado, não há que se inventar. As variações surgem a medida em que a música pede e não há erro quando se tem segurança com o que se ouve.

É importante salientar que eu bani o total improviso da minha dança. Não que não seja bacana improvisar. Mas não o faço mais publicamente. Agora só danço quando tenho a música completamente interiorizada caso contrário, a probabilidade de desprezar sua essência é grande e não quero mais cometer essas gafes. Claro, há exceções, afinal de contas, a arte da flexibilidade corporal devenos levar também a uma flexibilidade de alma.

Respeito e tenho profunda gratidão a todas as pessoas que foram minhas mestras.
Quero salientar, que eu louvo minhas bases e admiro essas profissionais, que foram minhas mestras eternamente. Tenho carinho pelo que elas representam na Dança principalmente por dedicarem suas vidas a Dança, a ensinar, a cuidar das pessoas com tanto amor a ponto de se tornarem tão imprescindíveis.

Mas acredito que toda dançarina chega um dia que, ou se econtra totalmente onde já está ou busca algo que a faça se encontrar. Esse além poderia ter sido um estilo mais moderno, poderia ter sido um Cabaret Vintage, ou um tribal.

Mas foi a musicalidade e o estilo "Golden Age" - se é que precisamos de um título para designar o que eu simplesmente conheci como sendo - Dança do Ventre.


 

Um comentário:

  1. Oi, Yasmine

    Me encontro nesse processo de autoconhecimento na dança tem uns bons 2 anos e apesar de ter recebido alguns insights que me acalmaram um pouco, ainda estou insatisfeita com minha dança, não gosto de me ver dançar ainda. E não sinto no palco o prazer e a leveza que eu gostaria de ter. É muito difícil sair da técnica e do cientificismo porque minha formação foi assim e ainda por cima, sou cientista. A entrega é mais difícil. Mas estamos na luta. Agora, já não me sinto na obrigação de gostar de quem tá na moda. Isso, não mais.

    Beijos

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