segunda-feira, 31 de março de 2014

Linha de Pesquisa de Yasmine Amar

          Chegar numa linha de pesquisa em Cultura Oriental e Danças Étnicas fez parte de uma trajetória desde quando fazer parte do fenômeno "Belly Dance" deixou de satisfazer minha ânsia pessoal por compreensão desta vasta Cultura que resumiram em chamar "Dança do Ventre".
          No site Wikipédia, a definição do que é Dança do Ventre trouxe para mim inúmeras indagações:

"A dança de ventre é uma famosa dança praticada originalmente em diversas regiões do Oriente Médio e da Ásia Meridional. De origem primitiva e nebulosa, datada entre 7000 e 5000 a.C,seus movimentos aliados a música e sinuosidade semelhante a uma serpente foram registrados no Antigo EgitoBabilôniaMesopotâmiaÍndiaPérsia e Grécia, e tinham como objetivo preparar a mulher através de ritos religiosos dedicados a deusas para se tornarem mães. Com a invasão dosárabes, a dança foi propagada por todo o mundo. A expressão dança do ventre surgiu na França, em 1893. No Oriente é conhecida pelo nome em árabe raqṣ sharqī (رقص شرقي, literalmente "dança oriental"), ou raqṣ bládi (رقص بلدي, literalmente "dança da região", e, por extensão, "dança popular"), ou pelo termo turco çiftetelli (ou τσιφτετέλι, em grego).
É composta por uma série de movimentos vibrações, impacto, ondulações e rotações que envolvem o corpo como um todo. Na atualidade ganhou aspectos sensuais exóticos, sendo excluída de alguns países árabes de atitude conservadora."
  
          A primeira questão que pairava em minha mente: porquê esta dança ganhou uma conotação de apelo sexual tão forte nos países árabes.  A segunda questão é com relação aos países de suas raízes, como era dançada em cada um deles. Esse era somente o início de uma jornada em busca do estudo das Danças Orientais que me levaram a compreender que a Dança do Ventre é apenas uma delas e que o Oriente não se resume ao Egito.  
 
Yasmine Amar em 1998
       Meu estudo da Dança do Ventre começou em 1994 mas foi somente em 2006, depois de ter vivenciado o fenômeno Belly Dance, tendo inclusive recebido convites para trabalhar em países árabes, incluindo Egito, e de ter optado em não aceitar, depois de ter dançado na maior Casa de Chá do País, tão almejada por tantas bailarinas, depois de tantas vivências que iniciou minha jornada de estudo em Danças Orientais e Étnicas. De 2006 a 2013 (ápice dos estudos) foram 7 anos. A jornada iniciou pela Música. Não teria como acontecer diferente. Não tem como ser uma estudiosa da Dança Oriental se você não for uma profunda estudiosa da Música Oriental, ambas estão conectadas de uma maneira única, especial. Mas esse foi somente um início.  Eu queria mais. Eu queria entender a tal conotação sexual atribuída à Dança, sua origem e se existia uma dança realmente livre desta conotação, qual seria. Queria entender o porquê dos movimentos desta dança. Os workshops no mercado não me traziam respostas. Sequências pré-fabricadas, passinhos de efeito, pernas pra cá, cabelos pra lá, tudo muito erotizado, tudo muito comercial, voltado para o mercado do entretenimento, para agradar meia dúzia de pessoas,pouco artístico, significativo e cultural, era essa minha percepção da Dança, mesmo com algumas belíssimas exceções. Você pode não enxergar assim, mas era assim que eu percebia. Então fui estudar desesperadamente as dançarinas da Era Dourada Egípcia. Foi bastante esclarecedor, mas ainda não me trouxe todas as respostas, uma vez que essas dançarinas também se afastaram de sua Cultura para vender uma imagem no Cinema. Mas foi no estudo destas dançarinas que consegui um novo significado para minha dança, consegui esvaziar o excesso contaminado pelo ocidentalismo exacerbado e sua intensa escravidão em preocupar-se com a opinião dos outros e encontrar, além da conexão com a música, mais aprofundada, os toques orientais que eu buscava. 

Raíces
2011
Foi em 2011 que surgiu o primeiro projeto dessa nova fase de minha carreira e seu nome foi Raíces. Um espetáculo que foi apresentado no SESC Arsenal, em Cuiabá/MT, mesclando as influências árabes e flamencas da Dança Oriental. Foi um espetáculo basicamente de Cultura Espanhola e Egípcia. Ou seja, ainda não tinha as respostas que eu buscava. Naquele conceito da Wikipédia falava que além do Egito, essa dança existiu em muitos outros países, teve início a continuidade da busca. Eu queria entender mais sobre isso. Então foi em 2013 que eu pude me deparar com essas respostas, através de uma oportunidade de estudar com uma grande mestra, estudiosa da Música, Dança e Cultura Orientais, que reside atualmente na Itália mas é de cidadania ítalo-brasileira, Yasmin Nammu. A Yasmin me mostrou uma "miscelânea" (termo que ela utiliza). Me mostrou acima de tudo que Dança do Ventre não se resume ao Egito. Foi aí que nasceu o "Sirocco", consolidando um estilo, uma maneira de dançar e sentir que finalmente ia de encontro com minha alma.  Sirocco foi meu primeiro espetáculo multiétnico. Em seu roteiro haviam danças da Índia (Rajastão), das ciganas Kalbelyas, danças Andaluzas Antigas, Flamenco, danças nômades, e, especialmente, a Dança Oriental estava finalmente assumindo traços que satisfaziam minha alma. Os figurinos do grupo passaram também a sofrer influências da pesquisa, sendo muito mais orientais e distantes do modismo Bellydance. No nosso novo projeto em andamento, mais elementos étnicos estão sendo incorporados e incluem danças ciganas de vários povos, inclusive o Turkish Rom, da Turquia e as influências da Dança Persa. A proposta é étnico e cultural. Não tenho interesse em formar "Belly Dancers" mas em ter um grupo estudioso, curioso, que goste de tocar instrumentos como sagats, duffs, que aprecie esse estudo diferenciado. figurinos étnicos e dançar as Danças Orientais e que estejam decididas em aprofundar seus estudos culturalmente. 
       Fizeram parte dessa minha jornada 4 grandes profissionais, sem os quais eu não teria chegado até aqui e talvez tivesse definitivamente abandonado esta Dança uma vez que não satisfazia mais a minha alma:

1) Triana Ballesta - a Triana eu tive a oportunidade de conhecer como aluna, mesmo ela não tendo iniciado seus estudos em Dança comigo, tivemos uma grande identificação e ela tornou-se bem mais que isso, uma amiga pessoal e parceira de idéias, estudos e projetos. Foram incontáveis horas de debates e estudos juntas  e o que  aprecio nela são tanto as diferenças como as semelhanças de nossos projetos (e ambas não são poucas). São nas diferenças que surgem os questionamentos e o estudo passa a ser muito mais fundamentado e enriquecedor. Foi lá, em 2006, quando eu ia desistir da Arte Oriental, que ela chegou, dando ouvidos às minhas utopias e angústias e compartilhando as dela comigo, surgindo o impulso, a busca e o olhar diferenciado. Não teria chegado até aqui sozinha, sem a ajuda dela, o apoio mútuo. E poder acompanhar seu desenvolvimento de estudos, após realizar os workshop´s e a Imersão com Hossam e Serena Ramzy, atingindo um padrão artístico elevado, poder trazê-la para compartilhar comigo e minhas alunas esse saber, foi mais que um prêmio, foi gratificante e enriquecedor!

2) Maurício Mouzayek -  um professor generoso, um profundo conhecedor da música Oriental mas, acima de tudo, da Arte de ensinar. Na simplicidade de sua maneira de ensinar, a complexidade de um estudo que parecia antes inatingível, a compreensão ampla que eu precisava da Musicalidade Oriental.
3) Michelli Nahid - A "musa" como eu e Triana costumamos chamá-la, ela foi a grande inspiração que levou à busca incessante. O contato com o o DVD "Tempos" me fez desacelerar, buscar um estilo e uma compreensão musical. Estudar com ela e com Maurício foi uma realização incrível pois pude ter contato de perto com a maneira artística como ela expressa sua dança, a limpeza de linhas e musicalidade impecáveis, a doçura , feminilidade e ética  de uma grande mestra.

4) Yasmin Nammu - Finalmente, minha busca encontrava respostas e uma diretriz, uma ampliação, estilo e Arte. Foram duas imersões. Uma intensidade que não tenho como descrever. Ainda organizo a cada dia o tanto que pude receber naqueles dias. Foi tanto que não dei conta emocionalmente de processar ainda. Compreendi nas imersões que a Dança Oriental vai muito além da técnica. É a Arte do Feminino, um estilo de vida. Livros, músicas, estudo integral, corpo, yoga, vida, alimentação e a Natureza, que cura e acolhe. É conteúdo pra esmiuçar nas próximas décadas. Foi o divisor de águas, compreendi o processo criativo, como está entrelaçado com o que vivencio e percebo e, a cada dia, minha percepção se amplia. Não vejo fim, vejo que é ilimitado esse processo. Ao voltar da segunda imersão, de imediato compus um espetáculo, o Sirocco em uma semana. Em seguida, engajei no atual projeto ao qual me dedico, e com muita tranquilidade consigo fluir em vários projetos. As amarras que me prendiam foram rompidas, as asas da borboleta foram curadas e agora é só voar. Eterna gratidão ao Universo por permitir esse encontro.
E finalmente, quero agradecer imensamente às minhas alunas. Elas me motivam a criar mais pois sem compartilhar em grupo todo esse aprendizado não teria sentido! Vocês são dedicadas, maduras e estudiosas, agradeço à carta de confiança que dão ao meu trabalho como professora e coreógrafa, mas, acima de tudo, como amigas por estarem sempre presente em todos os momentos.
  

Finalizando, é importante salientar que não quero desmerecer o Bellydance Moderno nem tampouco as grandes mestras que tive antes de iniciar esta jornada, apenas que foi uma escolha pessoal e se relato neste artigo de Blog é porque acredito que possa trazer algumas respostas a pessoas que anseiam pelas mesmas buscas. 

Toda Arte é válida, bela e merece ser sempre enaltecida e reverenciada! 


Gosto de apreciar a evolução do trabalho artístico na minha cidade e em tantas outras sempre procurando ver o belo e o quão magnífica é a Arte Oriental que acolhe como útero de mãe tanta diversidade!

Muita PAZ!