Existem igualmente 3 tipos de dançarinos: primeiro aqueles que consideram dançar uma espécie de treinamento físico feito de arabesques impessoais e graciosos, segundo aqueles que, ao concentrar suas mentes, guiam o corpo na direção do ritmo de uma emoção desejada, expressando sentimentos relembrados. E finalmente, há aqueles que convertem o corpo numa fluidez luminosa, rendendo-a a inspiração da alma. Este terceiro tipo de dançarino entende que o corpo, dada sua alma, pode de fato ser convertido num fluido luminoso. A carne torna-se iluminada e transparente assim como é mostrada no raio-x - mas com a diferença de que a alma humana é mais clara que esses raios. Quando a alma, em seu poder divino, possui o corpo, converte-o numa nuvem luminosa em movimento e assim manifesta-se na sua total divindade. Esta é a explicação para o milagre de São Francisco andando sobre o mar. Seu corpo não mais pesado como o nosso, tão leve se transformou através da luz.
Imagine um bailarino que depois de longo estudo, oração e inspiração, tenha alcançado tamanho grau de entendimento, que seu corpo seja simplesmente a luminosa manifestação de sua alma; cujo corpo dança em acordo com a música ouvida interiormente, na expressão de algo vindo de um outro e mais profundo mundo. Este é o verdadeiro bailarino criativo, natural mas não imitativo, falando através de movimentos a partir de si mesmo e a partir de algo maior que todos os seres.
Sinto me tão confiante de que a alma pode ser despertada, possuindo completamente o corpo, que quando trouxe crianças para minha escola almejei acima de tudo fazê-las trazer para si mesmas a consciência deste poder dentro delas, da relação que mantêm com o ritmo universal, evocando o êxtase, a beleza desta realização. O meio para este despertar será em parte a revelação da beleza da natureza e em parte daquele tipo de música que o terceiro grupo de compositores nos dá, que surge da alma e fala para a alma.
Há adultos que esqueceram a linguagem da alma, mas as crianças a entendem. É apenas necessário dizer-lhes: "ouçam a música com suas almas. Agora, enquanto ouvem, vocês sentem um profundo despertar interior, vindo de dentro de vocês? - Que é pela sua força que suas cabeças se erguem, seus braços se levantam e que vocês caminham lentamente na direção da luz?"
Este despertar é o primeiro passo na dança, como eu a entendo.
Quando eu comecei a dançar com os movimentos e gestos que minha alma arrebatada sabia como comunicar ao meu corpo, os outros começaram a me imitar, não entendendo que lhes era necessário voltar a um começo, para achar primeiro algo dentro deles mesmos.
Em muitos teatros e escolas via-se este tipo de dançarino, que compreendiam apenas com o cérebro, que sobrecarregavam de gestos suas danças; seus movimentos pareciam vazios, insípidos e destituídos de significado. O que eles traduziam através da mente parecia totalmente de inspiração e de vida. O mesmo acontece com os sistemas de dança que são apenas ginásticas combinadas, compreendidas apenas logicamente (Daltroze, etc). Parece-me um crime impingir as crianças, que não podem se defender, este treinamento prejudicial; pois é um crime ensinar a criança conduzindo seu corpo em desenvolvimento através do poder rígido do cérebro e ao mesmo tempo enfraquecendo seu impulso e inspiração.
A única força que pode satisfatoriamente conduzir o corpo é a inspiração da alma.
(retirado do livro "Minha Vida" sobre o trabalho de Isadora Duncan)
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