quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O corpo jubiloso, a carne selvagem - O poder das ancas


O texto que publico hoje traz uma reflexão sobre a força do feminino , o corpo e a dança.
Nos leva a pensar em como estamos nos colocando dentro dessa expressão corporal que chamamos Dança do Ventre.  Estamos sendo autênticas o suficiente?  Ou estamos nos punindo por não sermos algo idealizado dentro de uma ótica distante de quem realmente somos? Não seria mais fácil criarmos um ideal e nunca conseguirmos atingí-lo, nos permitindo permanecer numa zona de conforto onde há racionalidade e domínio da técnica além de uma confortável distância de si mesmas.  No entanto, isso nos faz dançar de forma comedida, tecnicista e a dança vai perdendo o sentido e o encanto e vai se perdendo cada vez mais.
Mas quando nos permitirmos avançar e rasgar as barreiras que nos afastam da essência, daí tudo muda e obtém um significado real.  Como disse Milton Nascimento,  "Nada a temer senão o correr da luta , nada a fazer senão esquecer o medo. Abrir o peito a força, numa procura, fugir às armadilhas da mata escura."




O poder das ancas



O que constitui um corpo saudável no mundo instintivo? No nível mais básico – o seio, o ventre, qualquer parte onde haja pele, qualquer parte onde haja neurônios para transmitir sensações - a questão não é a do formato, do tamanho, da cor, da idade; mas, sim, se existe sensação, se funciona como deveria, se temos reações, se temos todo um leque, todo um espectro de sentimentos. Ele tem medo, está paralisado pela dor ou pelo receio? Está anestesiado por traumas antigos? Ou será que ele tem sua própria música? Está ouvindo, como Baubo, através do ventre? Está olhando com uma das suas inúmeras formas de ver?

Passei por duas experiências decisivas quando estava com vinte e poucos anos, experiências que contrariavam tudo o que me haviam ensinado sobre corpo até então. Quando estava num seminário de uma semana de duração para mulheres, à noite, junto ao fogo e perto de fontes termais, vi uma mulher nua, cerca de 35 anos. Seus seios estavam murchos de amamentar; seu ventre, estriado de dar a luz. Eu era muito nova e me lembro de ter sentido pena das agressões sofridas pela sua pele fina e clara. Alguém estava tocando tambores e maracás, e ela começou a dançar, com o cabelo, os seios, a pele, os membros todos se movimentando em direções diferentes. Como era linda, como era cheia de vida. Sua graça era de partir o coração. Eu sempre havia ridicularizado a expressão “furacão nos quadris”. Naquela noite, porém, vi um exemplo. Vi o poder de suas ancas. Presenciei o que me haviam ensinado a ignorar: o poder do corpo de uma mulher quando é animado de dentro pra fora. Quase três décadas mais tarde, ainda posso vê-la dançando no escuro e ainda sinto o impacto da força do corpo.

O segundo despertar envolveu uma mulher muito mais velha. De acordo com os padrões vigentes, seus quadris eram excessivamente parecidos com peras, seus seios eram ínfimos em comparação, e suas coxas eram totalmente cobertas por finíssimas veias arroxeadas. Uma longa cicatriz de alguma cirurgia grave circundava seu corpo, indo desde a coluna vertebral até as costelas, como um corte para descascar maçãs. Sua cintura devia ter a largura de quatro palmos.

Era, portanto, um mistério o motivo pelo qual os homens zumbiam à sua volta como se ela fosse um favo de mel. Eles queriam morder suas coxas de pêra, lamber aquela cicatriz, segurar aquele peito, descansar o rosto nas teias de suas varizes. Seu sorriso era estonteante; seu caminhar, extremamente belo. E quando ela olhava, seus olhos realmente absorviam o que estavam vendo. Vi novamente o que haviam ensinado a ignorar, o poder no corpo. O poder cultural do corpo é a sua beleza mas o poder no corpo é raro, pois a maioria das mulheres o expulsou com torturas ou com sua vergonha da própria carne.

Tendo em vista o exposto, a mulher selvagem pode pesquisar a numinosidade do seu próprio corpo e compreendê-lo, não como um peso morto que estamos condenadas a carregar por toda a vida, não como uma besta de carga, mimada ou não, que nos carrega por aí a vida inteira, mas como uma série de portas, sonhos e poemas através dos quais podemos obter todo tipo de aprendizagem e conhecimento. Na psique selvagem, compreende-se o corpo como um ser por seus próprios méritos, que nos ama, que depende de nós, para quem, de vez em quando, somos a mãe e que, de vez em quando, representa a mãe para nós.



(extraído do livro Mulheres que correm com os lobos – Clarissa Pinkola Estés)


2 comentários:

  1. Amei querida, o que seria de nós lindas mulheres que não somos mais meninas de 18 ou 19 anos e estamos aqui com a nossa beleza madura capazes de mostrar que ainda somos muito mais do que simples dançarinas do ventre, mas mulheres que possuimos alma dançante e feliz!!!

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  2. Lindo texto, Yas, obrigada por compartilhar! Acredito que a verdadeira beleza do corpo não está no desenho das formas, mas sim no seu movimentar-se, pleno e consciente.
    Não sabia que vc tinha um blog... Engraçado... Também tenho um e recentemente publiquei algo muito parecido com o que vc transcreveu... Falei de comunicação na dança.
    Beijos, formiguinha!
    Vivi

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